Brincar é coisa séria

Data de Postagem: 15/10/2018

A criança que brinca cresce mais saudável e feliz, aprende melhor e desenvolve habilidades essenciais para a vida adulta.

A Academia Americana de Pediatria publicou em artigo, em agosto, a recomendação para os médicos advogarem a favor do brincar durante as consultas de rotina. Brincadeiras mesmo, como as do passado. “Brincar com os pais e colegas é uma oportunidade singular para promover as habilidades socioemocionais, cognitivas, de linguagem e de autorregulação que constroem a função executiva e um cérebro pró-social. Além disso, o brincar dá suporte à formação de relacionamentos seguros, estáveis e estimulantes com os adultos”, contextualiza o documento. As práticas indicadas passam longe dos brinquedos eletrônicos e estimulam o “brincar livre”, nas quais meninos e meninas se envolvem de forma espontânea e ativa. Na presença de adversidades, a brincadeira se torna ainda mais importante, pois ajuda a lidar com o estresse tóxico, situações negativas às quais uma criança pode ser exposta. “Em uma época em que os programas da primeira infância são pressionados para adicionar mais componentes didáticos e menos aprendizagem lúdica, os pediatras podem desempenhar um papel importante ao enfatizar o papel de um currículo equilibrado que inclui a importância da aprendizagem lúdica para a promoção do desenvolvimento saudável da criança”, recomenda a academia.

Mas por que brincar é tão importante?

A brincadeira é essencial porque desenvolve conexões cerebrais. É nesse momento que a criança se integra com o outro se aprimora nos sentidos, evolui na linguagem e experimenta o mundo.

“Do ponto de vista neurológico, a criança de até um ano desenvolve os sentidos através de estímulos sensoriais. De um a cinco anos, as áreas cerebrais começam a conversar uma com as outras. Neste momento, é fundamental que haja uma diversificação de estímulos, com atividades variadas, para que todas as áreas cerebrais sejam estimuladas. De cinco a oito anos, acontece a consolidação das áreas responsáveis pela memória. Se a criança só assiste TV, temos somente um tipo de estímulo. Com estímulos diferentes, mais áreas do cérebro são estimuladas e mais conexões cerebrais são formadas” afirma o neuropediatra Rubens Wajnsztejn, professor da disciplina de Neurologia da Faculdade de Medicina do ABC. De acordo com o especialista, o brincar faz com que todas as questões executivas no cérebro relacionadas à criatividade, abstração, linguagem, coordenação e a muitas outras coisas sejam desenvolvidas.

Além disso, o brincar proporciona que a criança lide melhor com situações de adversidades, quando pequena e na vida adulta. “Uma criança que brinca terá, no futuro, uma saúde mental melhor do que aquela que não brinca”, resume o médico.

Pensar antes de agir, planejar e traçar objetivos, focar a atenção, ser flexível e controlar as emoções são habilidades consideradas essenciais na vida adulta. Segundo a professora e psicopedagoga Maria Angelo Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura, Estudos e Pesquisas do Brincar da PUC-SP, o brincar contempla todas essas habilidades.

“Enquanto brincam, as crianças aprendem a cooperar, a criar relações pessoais, a viver em sociedade e a lidar com o erro ou situações adversas com resiliência. Atividades lúdicas, que não envolvem necessariamente um brinquedo como mediador, reforçam o vínculo entre pais e filhos e estimulam a autoestima das crianças”, ressalta.

Como incluir a brincadeira na rotina da criança?

Ser pai ou mãe exige jogo de cintura: lidar com a pressão e o excesso de trabalho, levar e buscar as crianças na escola, preparar comida e cuidar dos afazeres domésticos. Na rotina corrida, em que a falta de tempo é queixa comum, a qualidade dos momentos de brincar com os filhos sobrepõe-se à quantidade.

“Convide a criança para ajudar a preparar o jantar, peça que ela arrume a mesa. Enquanto você cozinha, ela brinca de fazer comidinha, ou pode transformar a sala em um ateliê, floresta ou cabana. Durante as refeições, valorize esse momento em família. Antes de dormir, conte histórias, seja de um livro, de memória ou inventada. Envolva a criança, estimule sua imaginação pedindo que ela complete a história. Não existe medida exata, mas é melhor ter 15 minutos de interação com qualidade com a criança, do que ficar o dia inteiro com ela, mas deixá-la na frente da TV o tempo todo. Também é saudável para os pais, pois brincar com o filho reforça o vínculo com o pequeno”, aconselha Maria Angela.

Ser criança no mundo hiperconectado

Pesquisas realizadas nas últimas décadas revelam que o tempo livre das crianças diminuiu 25%. Apenas 50% saem para brincar ou passear. Pequenos de até seis anos de idade passam, em média, 4,5 horas em frente a algum dispositivo eletrônico.

“O tempo em que a criança passa em frente a uma tela dificulta o desenvolvimento da linguagem, da empatia, do autocontrole e da capacidade de lidar com relacionamentos”, alerta a professora. Além disso, ela pode ter problemas em sua saúde ocular (devido ao olhar fixo e aberto diante da tela), auditiva (devido ao uso de fones de ouvido), manual (pela repetição de movimentos) e de postura.

A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que bebês com até dois anos não tenham nenhum acesso às telas, principalmente durante as refeições ou antes de dormir. Para crianças entre dois e cinco anos, o limite recomendado é de uma hora diária. Já as de seis anos não devem ter contato com jogos violentos e, até os dez anos, nenhuma criança deve ter televisão ou computador nos próprios quartos para evitar a vulnerabilidade do acesso a conteúdos inapropriados.

A importância da imaginação e do ócio

O brincar de faz de conta, além de incentivar a imaginação, possui forte importância na formação social das crianças. Através da imitação, elas podem perceber a diferença entre o eu e o outro, desenvolvem a empatia , enriquecem seus papéis sociais.

“Por meio das brincadeiras, as crianças têm a possibilidade de representar o mundo em suas cabeças, estimulando o pensamento imaginativo e simbólico. É através do brincar que elas elaboram o mundo, dão sentido a suas experiências internas e externas e ampliam a compreensão do entorno”, explica a professora Maria Angela. Além disso, quando o processo de aprendizado envolve o brincar como ferramenta pedagógica, a criança aprende melhor.

O ócio, ou tempo livre, é importante também. Muitas atividades extracurriculares sobrecarregam as crianças. Para Renata Meirelles, coordenadora do programa Território do Brincar, um trabalho de escuta, intercâmbio de saberes, registro e difusão da cultura infantil em parceria com o Instituto Alana, precisamos criar oportunidades para a criança poder ser aquilo que ela é. “O ócio é potente na infância para que a criança possa se alimentar daquilo que vem de dentro pra fora”, afirmou a educadora em entrevista ao site Espaço Humus.

Sugestão de brincadeiras

Um guia elaborado pelo Center on Developing Child, de Harvard: