Quando a brincadeira passa do limite

Data de Postagem: 06/02/2019

Bullying é assunto sério e pode levar meninos e meninas à evasão escolar, dificuldades nos relacionamentos, depressão e, em casos mais graves, suicídio. Saiba por que é papel dos pais combater esse fenômeno social e como ajudar uma criança a não ser vítima nem agressora

Um empurrão súbito que se repete. Uma risada de zombaria, apontando sempre para uma mesma vítima. Um xingamento ao entrar na classe. Um apelido humilhante. Quem nunca presenciou situações assim na escola? Da palavra em inglês ‘bully’, que significa valentão ou brigão, ‘bullying’ é o termo designado para classificar agressões físicas, verbais ou psicológicas feitas de forma intencional e repetitiva contra uma vítima. O objetivo dessa relação de dominação e submissão é maltratar e humilhar. É realizado entre pares – ou seja, entre alunos – e na presença de espectadores.

“Bullying nada mais é que um jogo cruel de poder. É submeter alguém aparentemente mais frágil para demonstrar poder. Ataca-se o diferente. Geralmente zombam por um aspecto particular da aparência, situação socioeconômica, origem, crença religiosa, orientação sexual ou mesmo desempenho escolar”, define Irene Maluf, especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem.

As agressões podem ser verbais (ofender, falar mal, colocar apelidos pejorativos), física e material (bater, empurrar, furtar ou destruir pertences da vítima) ou psicológica e moral (humilhar, excluir, discriminar). A internet fez surgir o cyberbullying, quando as ofensas se disseminam por redes sociais e aplicativos de mensagem.

“O bullying não é um comportamento que nasce na escola, ele vem de casa. Criança que tem vivência de agressividade e violência no núcleo familiar tende a ser, na escola, mais agressora ou agredida. Se meu filho faz algo errado, e eu dou um tapa, estou ensinando a linguagem de violência como forma de poder. Se, desde pequena, ela aprender em casa a respeitar e a ser respeitada, tem menos chances de se envolver em bullying na escola”, acrescenta a psicopedagoga.

Atenção aos sinais

Identificar situações de bullying exige observação atenta aos sinais. “Quando a escola ou outro ambiente passam a ser aversivos e evitados por uma criança, e frequentá-los gera muito sofrimento, o que muitas vezes não acontecia no passado, tem-se um indicativo de que seu filho possa estar sofrendo bullying”, aconselha a psicóloga Angélica Capelari, especialista em Análise de Comportamento e professora do curso de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo.

Observe o comportamento da criança ou adolescente. Mudanças repentinas, como queda no desempenho escolar, aumento de agressividade ou irritabilidade e postura retraída, são sinais importantes. Uma conversa na escola com o professor, orientador ou diretor é importante. Procure investigar, discretamente, versões dos colegas para saber o que houve de fato. Tenha em mente que, nem sempre, a versão do seu filho corresponde à verdade.

“O papel, tanto dos pais, quanto da escola, é fundamental no sentido de acolher os dois lados: a pessoa que sofre o bullying e a que comete. Ambos precisam ser ouvidos, sem julgamentos, para que possam aprender maneiras diferentes de agir no mundo. Se a criança é vítima ou agressora, procure ter um canal de comunicação o mais sincero possível, sem julgamentos, e avalie a possibilidade de buscar ajuda profissional: um psicólogo. É preciso dialogar na escola para tê-la como parceira e, assim, os dois lados serem acolhidos”, pondera a especialista.

As consequências do bullying incluem isolamento, baixa estima, evasão escolar, depressão e outras dificuldades nos relacionamentos sociais. Nos casos mais graves, leva ao suicídio. O problema pode perdurar na vida adulta, influenciando a maneira como a pessoa se relaciona com o mundo.

Como identificar o bullying

Bullying é diferente de conflito | No bullying, os ataques são intencionais, repetitivos e têm como objetivo maltratar e humilhar a vítima; não há justificativa para as agressões. Envolve jogos de poder (dominação-submissão) entre pares. Tem a presença de espectadores. A agressão pode ser física, verbal ou psicológica.

Vítimas mais comuns | Quem é considerado mais frágil e destoa dos demais, seja por alguma particularidade da aparência física, cor, origem, condição socioeconômica, religião ou orientação sexual. Crianças com dificuldades de aprendizado, ou que têm desempenho acima da média, também são vítimas. Muitas têm dificuldade de relatar o problema.

Perfil do agressor | Agressivos, gostam de satirizar e provocar os colegas. Desejam ser aceitos em um determinado grupo e, como não conseguem por meios éticos, vão usar a dominação e outros subterfúgios. Em casa, geralmente vivenciam agressões físicas, verbais ou psicológicas e têm modelos parentais não-positivos. Atrás do durão, se esconde uma pessoa insegura, que precisa se sentir aceita e ter a atenção voltada para ela.

Possíveis sinais de que a criança sofre bullying
- Tímida, mostra-se triste e introspectiva
- Diz não querer ir, ou tem medo e vergonha de ir à escola
- Usa desculpas (inclusive doenças) para faltar
- Não quer participar de excursões ou atividades escolares
- Tem piora nas notas
- Tem mudanças de humor, explosões repentinas de raiva e irritação
- Aparece com hematoma após a aula, ou teve algum objeto furtado ou destruído
- Na escola, tem poucos ou nenhum amigo
- É a última a ser escolhida em atividades e fica isolada ou perto de adultos no recreio
- Queixa-se de dor de cabeça, de barriga ou enjoo, principalmente nas horas anteriores ao horário de entrada
- São autocríticos, possuem baixa estima e têm dificuldades de relacionar-se socialmente

O QUE FAZER

O papel dos pais

- Observe o comportamento do seu filho
- Acolha a criança para que ela se sinta à vontade para conversar sobre o que acontece; ouça sem julgar e serenamente
- Identifique o tipo de bullying. Acione a escola e converse com professores, orientadores ou diretor para discutir soluções
- Ouça versões dos colegas sem julgamentos. Tenha em mente que, não é porque é seu filho, que ele está certo
- Não dizer coisas do tipo “ignore” ou “não ligue”
- Se necessário, procure um psicólogo de abordagem cognitiva-comportamental
- Avalie a qualidade do tempo que passa com a criança, valorizando os momentos juntos com seu filho. Faça mais refeições em família, conversem sobre o dia, programem passeios juntos, fortaleça vínculos; quem vive cercado de afetos é mais feliz e saudável
- Estimule-os a perceber suas habilidades, resgatando a autoestima, autoconfiança e autovalor ; a função dos pais é educativa à medida que ensina os filhos a viverem em sociedade
- Converse sobre sentimentos com seu filho , pergunte como foi seu dia
- As crianças são como esponjas, absorvem o comportamento dos pais. Seja um modelo que transmita os valores que deseja no mundo, agindo com ética, respeito, cooperação, empatia e acolhimento
- Não incentive games e desenhos violentos
- Criança que bate é a que mais apanha; demonstre autoridade através do diálogo e não-violência

E se meu filho é agressor?

- Converse com seu filho para saber exatamente o que aconteceu, deixando claro que ele não será castigado
- Analise o que o levou a fazer isso e ver se faltam habilidades para ele se expressar e resolver as coisas com diálogo, ou se houve algum incidente prévio
- Dialogue com o professor, orientador ou diretor para discutir uma solução
- Reflita sobre seu comportamento em casa. Os relacionamentos familiares são pautados pelo diálogo e respeito, ou há agressividade e violência nos seus atos e palavras?
- Crianças e adolescentes precisam de limites e regras em casa
- Os pais devem ajudar a criança a viver em sociedade, postergar vontades, lidar com frustrações e suportar problemas. Valores como ética, solidariedade e empatia devem ser incentivados, e os pais são o espelho disso tudo.

O papel da escola

- Capacitação de professores para abordagem frequente do tema nas aulas e identificação dos atores do assédio, sabendo diferenciar bullying de brincadeiras pontuais
- Oferecer um programa variado de atividades (esportes, jogos e brincadeiras, artes plásticas, música etc.) para que a criança possa se destacar em uma delas e desenvolva habilidades
- Interferir diretamente nos grupos, o quanto antes, para quebrar a dinâmica do bullying
- Reconhecer e valorizar as atitudes da garotada no combate ao problema
- Se acontecer na sala de aula, é papel do professor interferir no momento em que o bullying acontece e relatar para a coordenação e direção
- A coordenação/direção deve acionar um psicólogo ou psicopedagogo para ajudar a mediar o problema quando achar necessário
- Investir em prevenção: palestras, cocriação de projetos antibullying, implantação de assembleias ou equipes de ajuda, estimular lideranças positivas
- Trabalhar os espectadores (testemunhas do bullying) para que tragam à luz seu papel como mediadores de conflito. Quando a testemunha interfere na violência, esse comportamento faz com que o agressor perca público.

Fonte: Angélica Capelari, especialista em Análise do Comportamento e professora de Psicologia na Universidade Metodista de SP, Irene Maluf, especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem, cartilha antibullying do Conselho Nacional de Justiça e Pesquisa Nacional de Saúde Escolar do IBGE (2015).